terça-feira, 6 de julho de 2010

O MEU CAMINHO - PARTE II

No fim do dia antes da partida, tudo estava prontíssimo. A balança tinha indicado que as bagagens pesavam 14Kg, (12 dos alforges, 1,5 da bolsa de guiador e 0,5 das bolsas do quadro), o que somado aos 14kg da bicicleta, suporte de alforges incluído, eram 28kg que iriam acrescer aos meus 75 até Santiago de Compostela, não contando com o Camel Back que com 2l de água se deve situar perto dos 3kg.

Como é habitual em mim, a noite antes da partida foi muito agitada… com a check list de todo o material que levava a ser conferida momento a momento. Depois do duche e um pequeno almoço melhorado, senti-me com se fosse iniciar a primeira aventura da minha vida. Estava apreensivo e com dúvidas sobre a minha capacidade de chegar, com êxito, ao meu objectivo.

A presença do meu amigo Alfredo, na partida, no reforço do pequeno almoço e até à marginal na sua mota foi muito importante. As habituais graçolas animaram o ambiente, o que me fez deixar de imaginar as dificuldades que ia ter. Foi divertida a recolha do primeiro carimbo na credencial na Pastelaria Crocante e lamento não ter, objectivamente, entregue a Santiago o abraço do Pároco S. Domingos de Rana, de que era portador, mas a fila para chegar ao Apóstolo tinha mais de 100m…

O Caminho, pela marginal, até à Sé de Lisboa, fez-me ganhar grande confiança. Pedalei descontraidamente, apreciando tudo o que me rodeava, pois o pouco transito permitia-o. Já na Sé com o meu companheiro de Viagem, o Hélder Neves, enquanto tirávamos umas fotos a auto-estima ia subindo quando nos perguntavam para onde íamos e ficavam admiradíssimos quando lhes dávamos a informação. Afinal isto não é coisa para qualquer um… pensava eu…

200 metros depois da partida o meu telemóvel, que ficou mal encaixado no suporte , espalhou-se em bocados pelo chão… Se estivesse sozinho teria ficado muito enervado. Aqui revelou-se importante a companhia já que foi o Hélder que reconstruiu o telemóvel, que voltou a funcionar na perfeição.

Sem qualquer dificuldade, seguimos as setas amarelas até à Expo. As setas estão especialmente em caixas de electricidade, postes de electricidade e telefone e no lancil dos passeios. Normalmente não há setas em propriedades privadas, muros e paredes de casas.

Já antes tínhamos decidido não ir a Alpriate, pelo que seguimos pela N10 até Santa Iria, aonde retomamos o Caminho.

Em minha opinião, para quem vai fazer uma viagem como esta, não se justifica sair da N-10 até Vila Franca de Xira, porque esse troço não me parece ter qualquer interesse, é mal cheiroso, tem que se passar por dentro da estação de Alverca , subir e descer escadas.

Até ao destino do dia, Cartaxo, foi um instante. Chegamos com a moral em alta. Fiquei emocionado por terminar os primeiros 100Km bastante fresco e muito bem disposto.

No segundo dia retomamos o Caminho, com grande entusiasmo, perto datação da CP de Santana/Cartaxo. Num ápice estávamos no aeródromo de Santarém e a tratar por “tu” a subida de Santarém que era uma cidade em obras, mas com um agradável jardim em cuja esplanada descansamos.

O entusiasmo levou-me a exagerar na velocidade e falta de cuidado antes de Adevagar, pois que a nossa direcção já era Fátima, numa descida muito íngreme, com muito cascalho, alforges a desestabilizar… chão com ele. Fiquei mal tratado do dedo máximo da mão direita e do joelho direito, mas as dores que sentia, não foram suficientes para ofuscar o meu entusiasmo. Continuamos como se nada tivesse acontecido.

A chegada a Minde foi dolorosa, mas deixamos para trás aquela enorme subida sem parar e sem desmontar. Logo à entrada de Minde, junto as uns semáforos e uma fábrica, saímos da estrada principal para a direita atenuando um pouco a enorme subida de Minde, que fizemos em 1/1 com alguma paragens. Os restantes quilómetros até Fátima, foram eufóricos e como se costuma dizer, “prego a fundo”, mas chegamos bem cansados.

Os supostos menos de 20Kms rolantes até Tomar, foram, afinal 32 por péssimos pisos durante três dolorosas horas.

Em Tomar descansamos e constatamos que tínhamos cometido dois erros. Aquele troço tinha sido mal planeado e não tínhamos comido e descansado, naquela manhã, na devida altura. Tomar é uma cidade lindíssima e o percurso ao lado do Nabão é muito agradável até termos que levar a bicla à mão numas subidas intragáveis pela serra. Almoçamos tarde e eu já a pagar caro os erros antes referidos. Estava de rastos. Mal podia com as pernas. Comi mal ao almoço. O dono dos restaurante facultou-me um quarto para eu dormir cerca de meia hora o que ajudou, mas não me recompôs como seria necessário.

Até Alvaiázere foi duro. A certa altura o Hélder tirou um enorme “coelho da cartola”. Um pacote de frutos secos fez o milagre… Minutos depois de comer os frutos secos fiquei com “pilhas novas”, parece mentira, mas foi verdade… fiquei completamente recomposto. Já me tinham dito que os frutos secos operavam maravilhas…

Até aos Bombeiros de Ansião tivemos a Serra de Ariques que se bem a subimos, muito melhor a descemos …

Saímos de Ansião com umas subidas de respeito, mas logo a seguir lindas pistas e uns single tracks em que a bicla com os alforges não passava. Teve que ser pelo ar.

O Caminho até Mealhada, com passagem pelo Rabaçal e Conímbriga é muito bonito e está bem sinalizado. Ninguém, nem os Bombeiros, nem a GNR sabiam aonde é novo Albergue. Com a ajuda da Net e de um amigo do Cabo de serviço lá demos com ele. Os guardas de serviço na GNR eram um rapaz e uma rapariga novos. Deu gosto falar com eles. O jantar, em dose dupla, apagou bem as mágoas do dia.

O novo dia começou com a reparação de um furo provocado por um pico de silva. O almoço em casa da família Martinho era o nosso destino, foi maravilhoso e eles foram simpatiquíssimos. Até lá, tivemos lindas pistas e vistas, mas Águeda ficou na memória com umas subidas de se lhe tirar o Chapéu e a fazer coro com Assilhó. Tivemos uma retemperadora tarde de descanso em conversa com os Martinho.

Na manhã do 6º dia atravessamos as zonas muito populosas de Oliveira de Azeméis e S. João da Madeira e para chegar ao almoço em Grijó tivemos que nos entender com uma intragável calçada, dita real, em S. João de Ver.

A somar ao belíssimo almoço, tivemos a agradável surpresa da companhia do Miguel Sampaio até ao Porto. A visita ao lindíssimo Mosteiro de Grijó foi o ponto alto do dia. Falando de alturas, não me vou esquecer da subida da serra de Canelas em calçada romana… mas como estávamos com a moral em alta, foi apenas mais uma subida…

A chegada ao Porto foi muito descontraída. Em Gaia o Miguel foi acompanhar à pensão uma peregrina francesa de 74 anos, que vinha a pé de Lisboa, com o nosso destino e nós fomos à Serra do Pilar, com vista deslumbrante sobre o Porto, passamos na ponte D. Luís e tivemos tempo para uma vista de olhos pela Sé, Praça da Liberdade e Torre dos Clérigos. Terminamos o dia com um belíssimo jantar num restaurante típico do Porto com o Miguel, a esposa e o novo amigo Pinto Leite.

Do Porto a Viana do Castelo é difícil eleger o lugar de que mais gostei. O Miguel foi um dedicado cicerone. D. Pedro e D. Inês lá tinham as suas razões para irem casar a Leça do Balio porque o Mosteiro é muito bonito. Gostei muito de parar nas azenhas do rio Ave que já está mais despoluído. Em Rates derivamos para o Caminho da Costa e o aperitivo foram uns bons quilómetros sobre uma antiga linha de comboio com as solípas a darem-nos cabo dos ossos. A região de Esposende é linda, mas o single track ao lado do rio Neiva e depois a ponte de pedra também foram pontos altos do dia. Mais umas subidas valentes e estávamos em Viana do Castelo. Chegamos tarde para os nossos amigos Miguel, esposa e Pinto Leite apanharem o comboio para o Porto, mas em boa hora para jantarmos todos juntos, o que foi muito agradável e compensador.

A partir do oitavo dia reduzimos o andamento, uma vez que só queríamos chegar a Santiago dia 9. Aceitamos a sugestão dos nossos amigos da AEJ-Esposende para fazermos o Caminho Monacal que passa por Vigo, mas decidimos ir até Vila Nova de Cerveira em vez de atravessar para Espanha em Caminha. Foi digna de nota a passagem por Carreço, com autênticos labirintos de vegetação, calçadas e mais calçadas e sítios de fazer inveja. Este troço, quase sempre junto ao mar, é maravilhoso. Vila Nova de Cerveira vale a pena!

Já em terras de Espanha, com o Rio Minho e Portugal ao lado esquerdo, continuaram as lindas pistas e paisagens. Em Vigo a chuva era intensa e nós autênticos pintainhos porque os nossos impermeáveis deixaram de o ser… compramos novos. À saída de Vigo um parafuso voltou a furar o meu pneu novo. Como é possível?... e os carequíssimos do Hélder a resistirem… que raiva…

Resolvemos ficar no Albergue em Pontevedra. Foi uma experiência gratificante, o convívio com outros peregrinos, homens e mulheres de várias nacionalidades. Eu só me ria…

De Pontevedra Santiago passamos por uma imensidão de peregrinos, nomeadamente os que tinham pernoitado connosco. A chuva constante era desafio para nós e a beleza do caminho atenuava-a. Antes de chegar a Santiago a chuva deu lugar a neblina que impediu que víssemos com clareza as torres da Catedral 5kms antes da chegada.

Cheguei com vontade de continuar… pareceu-me que o destino ainda não era ali. Chegam peregrinos minuto a minuto que gritam “Cheguei” e saltam e saltam… felicitam-se uns aos outros, como eu o fiz com o meu companheiro de viagem. À tarde e à noite passeamos pela Cidade e acompanhamos os espanhóis nas suas tarefas de fim de dia pelas Bodegas, até ficarmos com a voz a arrastar… estava imensamente satisfeito, mas com pena de não fazer a viagem de regresso de bicicleta, como cheguei a projectar.

O regresso aconteceu de forma sossegada, como previsto, depois da visita à Catedral em obras e com a fila para abraçar o Apóstolo com mais de 100mts. Decorria a missa do meio dia e os abraços a Santiago continuavam. O Bota Fumeiro, que ninguém sabia quando ia acontecer, ficou para outro dia.

A nota seguinte será “O meu Caminho depois…

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